![Planeta alienígena de Pikex](https://static.wixstatic.com/media/523ceb_07c17afaebb54b0ca09505873251902a~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_245,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/523ceb_07c17afaebb54b0ca09505873251902a~mv2.jpg)
“Como toda sociedade já vista, a civilização galáctica humana nasceu, encontrou seu apogeu, prosperou e depois declinou, deixando diversas colônias espalhadas e segregadas por toda a Via Láctea. Este era o caso do exoplaneta Pikex, localizado nos confins da galáxia, um lugar que foi esquecido por todos fora daquele sistema estrelar e um lugar que esqueceu a todos em seus milênios de isolamento...”
![Cidade fictícia de um mundo distópico de ficção científica](https://static.wixstatic.com/media/523ceb_dc217bfe62004930a21f8fb3c00a5397~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_245,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/523ceb_dc217bfe62004930a21f8fb3c00a5397~mv2.jpg)
A cidade de Drexhat, localizada no enorme deserto de Ultum, era um polo para várias megacorporações como a GenX que tinha sido atacada alguns dias antes em um ato que seu departamento de relações públicas denominava como “terrorista” devido a destruição muito específica de seus laboratórios genéticos.
Após o recente incidente, toda a cidade estava bastante agitada, pois, não apenas a polícia privada da GenX investigava o ocorrido, como também polícias privadas de outras megacorporações tinham interesse no evento para prevenir ataque contra si mesmas ou tirar algum proveito político do ataque, especialmente devido ao fato de que, naquela cidade, nenhuma megacorporação era atacada diretamente desde a Guerra Civil de Drexhat, ocorrida setenta anos antes.
Um dos poucos lugares calmos naqueles últimos dias era o Bar-Freelancer, já que nem mesmo as megacorps queriam criar problemas com a mente coletiva dos nellungs. Apesar disso, vários dos Freelancers que estavam na região, arrumaram suas coisas e foram embora, com exceção de um que parecia estar bem tranquilo hospedado no local, descendo para o salão apenas para fazer suas refeições e passando o resto do tempo em seu quarto.
O único Freelancer naquele bar estava sentado em uma mesa comendo um prato simples da região. Ele era alguém na faixa dos trinta anos de idade, sendo ligeiramente mais alto do que a média dos humanos, algo que parecia compor bem com seus ombros largos e porte atlético. Seu cabelo era curto e a barba parecia sempre por fazer, sendo seu traço mais marcante o óculos de armação arredondada e lentes reflexivas que nunca tirava do rosto, assim como o sobretudo preto e surrado que nunca deixava de vestir.
- Você não deveria se preocupar tanto, eles estão atrás da garota que te contratou e não de você. – Disse o falante nellung que estava passando pano no balcão com um de seus quatro braços enquanto tentava puxar assunto com o humano que nunca falava. – Você não tem nenhum tipo de biometria, DNA, íris e nem nada registrado no sistema de identificação global! Os gorilas das corps nem sabem que você existe.
O nellung era uma criatura insectóide com uma carapaça quitinosa e cinzenta com longas antenas que despontavam de sua cabeça e se alongavam até o chão, algo que na realidade era seu nariz. A criatura até largou o pano e apoiou sua cabeça com rosto baratóide nas quatro mão fininhas e insetiformes quando percebeu que mais uma vez estava falando sozinha, pois seu interlocutor não o responderia. As dezenas de globos negros que formavam seus olhos emanavam uma expressão frustrada que poucos seres seriam capazes de interpretar, mas que não interessava nem um pouco ao humano que desfrutava silenciosamente de sua refeição.
- Você podia me responder, sabia? – Reclamou o alienígena com ar indignado. – Porque você fala tão pouco, John?
O nellung emitiu um som extraterrestre que, para sua espécie, demonstrava real descontentamento com aquele monólogo, algo que desapareceu quando um ser humano idoso e maltrapilho adentrou subitamente no local, assustando o alien que foi pego desprevenido.
- Você outra vez?! – Reclamou a criatura insectóide apontando para fora com uma das mãos que estavam no par superior de braços, enquanto pegava sua espingarda debaixo do balcão com o par inferior, apontando-a para o velho sem qualquer remorso. – Sai fora daqui! Se você não pode pagar a taxa de negociação do bar, não pode contratar nenhum Freelancer também! Fora daqui antes que eu estoure sua cabeça!
- Eu imploro! Me ajude! – Disse o velho humano com a voz em tom de súplica, ajoelhando-se perante o dono do estabelecimento que ainda lhe apontava uma espingarda cinética. – Não tenho mais a quem recorrer por ajuda! Por favor...
- Fora! – Insistiu o alienígena engatilhando sua arma cujo cano estava bem próximo da cabeça do idoso que acabou por sair do Bar-Freelancer se arrastando pelo chão sem nem levantar de tanto medo que ficou. – Não somos casa de caridade!
John, que tinha presenciado tudo, levantou de sua cadeira e pagou a conta com um token de créditos ao portador, algo que tinha se acostumado a utilizar por não ter chips de identidade implantados em seu corpo para utilizar a rede de dados global e ter acesso a coisas como contas bancárias e transferências online. Ele passou pelo alienígena praticamente ignorando-o e foi em direção a porta de saída do estabelecimento, algo que não fazia desde o ataque a GenX.
- Olha o que você vai fazer, garoto. Se fizer negócios por fora, nunca mais trabalha em um Bar-Freelancer! – Ameaçou o nellung enquanto voltava para trás do balcão e guardava sua espingarda.
- Não é um contrato se eu não aceitar dinheiro em troca. – Afirmou John com seu tom de voz grave naquelas que eram suas primeiras palavras em dias.
- Você só pode ser maluco! – Resmungou o alienígena enquanto o humano ia embora. – Passou dias se escondendo das corps aqui dentro e agora vai botar a cara lá fora de graça. Ele não deve regular bem...
No lado de fora do Bar-Freelancer, John encontrou o velho homem sentado no chão com as mãos trêmulas e uma expressão facial que parecia ser um ataque de pânico ao lado de uma carroça cheia de lixo. O idoso mal acreditou quando viu o Freelancer se aproximar encarando-o com os óculos redondos e reflexivos, tendo as mãos escondidas nos bolsos externos de seu sobretudo negro, mas mesmo aquela figura imponente não o impediu de praticamente rastejar até ele para lhe implorar por ajuda.
- Pelo amor de qualquer coisa que você acredite, me ajuda! – Suplicou o homem mais uma vez sem obter qualquer reposta verbal.
John passou andando pelo velho como se o ignorasse e agarrou o pegador da carroça com apenas uma de suas mãos e começou a empurrar todo aquele peso como se nada fosse.
- Mostre o caminho. – Disse o Freelancer de forma lacônica.
O semblante do idoso se transformou tanto quanto era possível para alguém em seu desespero, mas levantou-se com a dificuldade que a idade lhe trazia e pôs-se a caminhar ao lado do Freelancer, indicando-lhe o caminho que deveriam percorrer.
- Meu nome é Tok e o seu? – Apresentou-se o velho homem enquanto a dupla caminhava para deixar a região central de Drexhat e seguir para os paupérrimos bairros periféricos. – Eu sou veterano da Guerra Civil, mas ninguém liga pra isso hoje em dia já que isso aconteceu faz setenta anos...
- Eu também lutei em uma guerra... – Resmungou John tendo um lampejo mínimo de suas memórias perdidas, algo que veio e foi de forma fugaz em sua mente.
- Que cara perdida, mas eu entendo. A guerra deixa a gente confuso mesmo... – Assentiu Tok ajeitando o boné que usava na cabeça. – O boné dos veteranos. Ganhamos isso para que as pessoas soubessem quem foi que lutou e se sacrificou por elas, mas ninguém liga pra isso mais. Tudo que me restou foi catar lixo pela cidade e revender pra reciclagem como meio de sobreviver...
O idoso passou todo o caminho tagarelando como quem aproveitava uma oportunidade rara de poder falar com alguém, mas acabou que não obteve nenhuma fala de John que se limitou a dizer seu primeiro nome, ficando calado quando outras coisas lhe eram perguntadas, afinal, sua amnésia o impedia de se lembrar de qualquer coisa útil a respeito de seu passado.
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O Freelancer empurrou a carroça de lixo por toda a cidade, deixando para trás o opulento e tecnológico Centro de Drexhat, indo em direção a uma das regiões mais pobres da cidade, um lugar dominado por casebres, muitos dos quais estavam abandonados há anos, como era de fácil observação pela grande falta de conservação.
- Sei que pode não parecer, mas existe uma vantagem de morar por aqui: não tem ninguém para se incomodar comigo. – Comentou Tok que ainda não tinha parado de falar desde que ambos tinham deixado o Bar-Freelancer.
Subindo uma rua íngreme, a dupla chegou a uma pequena casa com muros castigados pelo clima desértico da região ao qual o idoso não demorou em franquear a entrada. John deixou a carroça de lixo no quintal e adentrou na residência, deparando-se com uma sala mais bem arrumada do que esperava.
- O que é aquilo? – Interrogou o Freelancer com as primeiras palavras que tinha pronunciado nas últimas duas horas ao apontar para um chapéu de cowboy preto que estava pendurado na parede em uma posição de destaque.
- Eu usava quando lutei na Guerra Civil. Eu era da unidade dos Rangers do Deserto e esse chapéu era parte do uniforme. – Contou Tok com um ar nostálgico enquanto seus olhos cansados pareciam se prender naquela peça enquanto soltava um pesaroso suspiro. – Bom, acho que a essa altura você deva estar querendo saber por que implorei tanto por ajuda, não é?
O veterano mal teve tempo de terminar sua frase e começar sua história quando sua porta passou a ser violentamente esmurrada com alguém aos berros chamando-o para fora da residência em tom de bravata.
John andou com calma até a porta e a abriu com o apertar de um botão, surpreendendo o rapaz que estava do lado de fora, especialmente quando ele foi forçado a olhar para cima para observar o rosto indiferente do Freelancer. O jovem deu um longo passo para trás para ganhar uma distância do desconhecido e prontamente cruzou seus braços que eram expostos por uma camisa jeans de mangas rasgadas. O braço direito era bastante musculoso e repleto de tatuagens que se mexiam por debaixo da pele formando padrões hipnóticos, enquanto o braço esquerdo era uma prótese mecânica bastante brilhosa com vários adesivos decalcados em sua lataria.
- Quem é você, porra?! – Inquiriu o recém-chegado usando de um ar autoritário enquanto outras seis pessoas tão agressivas quanto ele se reuniam a sua volta. – Tá achando que vai me assustar?! Cadê aquele coroa de merda? Chama ele que nosso papo é com ele!
O Freelancer permaneceu estático na porta, sem nada dizer, nem se mover. Permaneceu parado com as mãos nos bolsos observando o grupo a sua frente através das lentes arredondadas de seus óculos que nunca permitiam que outras pessoas vissem seus olhos.
- Anda, porra! A AnexiCorp não quer comprar essa área com o velhote dentro! Então agiliza essa merda e vai embora com ele! – Insistiu o rapaz que parecia ansioso por uma confusão.
- Por favor, parem! – Implorou o idoso que teve que se espremer entre o Freelancer e a porta para poder passar para o lado de fora na expectativa de apaziguara briga.
- Tu põe essa merda de boné pra dizer pra todo mundo que serviu a cidade, mas agora não tem vergonha nenhuma de ficar no progresso dela! – Berrou o jovem apontando o dedo mecânico na direção do idoso.
Vários membros do grupo portavam armas brancas como facas e bastões de ferro, balançando-os de forma ameaçadora enquanto lançavam risinhos na direção do Freelancer cuja expressão facial não se alterava nem para o medo, nem para a confiança. Enquanto isso, seu líder ofendia e gritava com o velho homem, exaltando-se cada vez mais até que avançou em sua direção para agarrá-lo com seu braço biônico, movimento que foi interceptado por John que segurou o potente maquinário protético com apenas uma mão.
- Você só pode ser maluco, meu chapa. – Disse o líder dos rapazes com um meio sorriso cínico enquanto movia seu braço mecânico para segurar o antebraço biológico de seu opositor. – Você vai implorar por perdão ou eu vou arrancar esse seu bracinho de pele agora mesmo!
- Ei, Langor! Arranca o braço desse babaca pra ele aprender! – Disse uma animada garota que tinha os cabelos multicoloridos e carregava um pesado bastão com seu par de braços protéticos. – Mostra o poder do seu braço Proton 9k!
John não abriu a boca, nem se moveu ou tentou se soltar, o que enfureceu Langor que cumpriu sua promessa de dar um puxão tão forte que arrancaria o braço de um humano comum, mas mesmo com toda a força mecânica que imprimia, não era capaz de mover o braço do Freelancer um milímetro sequer. O barulho de engrenagens trabalhando a toda potência foi ouvida por todos ali, fazendo muitos arregalarem os olhos, especialmente quando viam a expressão facial do homenzarrão que sequer se alterava, quase como se não estivesse fazendo esforço algum.
- Me solta, rapá! – Berrou Langor que era quem puxava seu braço com força, pois, o Freelancer ainda não o tinha largado desde que bloqueara a investida do líder dos arruaceiros contra o idoso.
Após alguns momentos de insistência desesperada de Langor, John finalmente o soltou, fazendo-o cair no chão de tamanha era a força que usava para tentar se livrar do agarrão de seu inimigo.
- Por favor, não vamos brigar... – Pediu Tok entrando no meio dos dois na expectativa de apaziguar a situação.
- Isso não vai ficar assim, coroa! – Berrou o líder dos arruaceiros levantando-se furioso. – Você tem doze horas pra sair daqui ou vamos derrubar tudo com você e o seu gorila dentro!
Os sete foram embora gritando ameaças para a dupla, embora Tok parecesse muito mais afetado por aquelas palavras do que John que nem sequer parecia estar escutando as bravatas. O veterano acabou por não aguentar e voltou apressadamente para dentro de sua casa, sendo seguido pelo calmo Freelancer.
- Te trazer aqui não foi uma boa ideia no final! – Disse o idoso reclamando consigo mesmo enquanto deixava-se cair sentado em uma poltrona no meio de sua sala. – Geralmente eles só me dão uma surra e vão embora, mas agora podem fazer algo pior! Nunca deveria ter te procurado pra desafiar eles! – O homem lançou um olhar ainda mais derrotado do que o costumeiro para o Freelancer. – Por favor, me diga quanto eu lhe devo que vou dar um jeito de pagar. Depois disso vá embora! Te pedir ajuda foi um erro e se eu implorar o suficiente pra eles, talvez só me batam como sempre e me deixem em paz...
- Não posso cobrar, não é um contrato oficial. – Explicou John andando até a janela e ficando de pé ao lado dela, olhando para o lado de fora para vigiar o movimento do grupo inimigo que se distanciava cada vez mais da casa, falando sem nem dirigir seu olhar ao dono da residência. – Como um veterano da Guerra Civil de Drexhat se tornou um covarde?
- Covarde?! Eu?! – Esbravejou Tok indignado, inflando-se por um momento até murchar novamente e assentir com a cabeça. – Talvez tenha razão. Nunca tive coragem de enfrentar aqueles caras e me sujeitei não só as surras que eles deram no meu corpo velho, mas deixei eles quebrarem minha alma também. Eu sou o pior dos covardes...
O veterano tirou o boné que tinha na cabeça e ficou olhando pra ele por um bom tempo com um silêncio sepulcral naquela saleta enquanto ele colocava sua mente bagunçada em ordem.
- A guerra começou eu tinha dezessete anos. Foi o Ano da Revolução onde o povo foi para as ruas depois que um Regente da época aumentou os impostos pela terceira vez no mesmo mês. O safado foi forçado a renunciar e um governo provisório foi instituído: o governo humano e o governo troblyata, as duas principais raças de Drexhat naquele tempo. Os dois deveriam trabalhar juntos para criar uma sociedade melhor, mas a cooperação durou bem pouco e a Guerra Civil entre humanos e troblyatas começou... – Contou o veterano alternando seu olhar entre o boné que tinha nas mãos e o Freelancer que parecia completamente alheio ao que era dito, observando o lado de fora da casa pela janela, de costas para o velho que não se importou em continuar assim mesmo. – Não sei se você já viu um troblyata furioso, mas é com certeza a pior coisa que pode acontecer a uma pessoa. Imagina um monstro de carapaça preta com mais de dois metros de altura com uma cabeça alongada e uma boca enorme. Suas mãos são como navalhas e nas costas eles têm dois tentáculos que usam como chicotes com pontas perfurantes. No campo de batalha éramos obrigados a matá-los a distância, pois, se virasse luta corpo a corpo, a coisa ia se transformar rapidamente numa carnificina, como aconteceu tantas vezes...
As mãos de Tok começaram a tremer compulsivamente e ele transpirava excessivamente quando deixou o boné cair no chão devido as terríveis lembranças daquela época que assolavam sua mente, recordando-o de vários companheiros que sofreram mortes brutais nas mãos dos alienígenas.
- Por isso acabei como catador de lixo. É a única profissão que eu achei que ninguém se importava se eu derrubasse algo durante um ataque de pânico... – Contou o idoso buscando seu boné no chão e passando a mão na aba para limpá-lo. – Na verdade, as pessoas fingem que não me veem na maior parte do tempo e, no final, não consegui manter uma família, nem amigos por causa desses ataques. Eles eram bem piores no passado e eu já cheguei a fazer coisas bem ruins quando perdi o controle com pessoas próximas a minha volta...
O veterano respirou fundo e recolocou o boné na cabeça, levantando-se de seu sofá e abrindo a porta de um armário que revelou uma metralhadora laser que estava guardada ali, uma cujo tubo era giratório, uma relíquia de setenta anos antes, mas que ainda era letal se estivesse bem cuidada.
- Eu sobrevivi porque era da artilharia. Eu sempre estava a distância dos malditos troblyatas! Eu sou o covarde que sobreviveu quando milhares de heróis morreram em combate... – Disse Tok irritando-se consigo mesmo e batendo a porta do armário, indo em bora na direção do único quarto da casa, onde se deixou cair pesadamente na cama.
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Tok revirou de um lado para o outro na cama durante toda a noite, tendo pesadelos com a guerra e recriminando-se por ter sido tão covarde, especialmente em tempos recentes, enquanto era acuado por aqueles arruaceiros. John, por sua vez, passou a noite inteira de campana, vigiando a espera do retorno dos inimigos.
Foi pouco antes do raiar do primeiro Sol que iluminava o planeta que o veterano levantou assustado de sua cama após um breve cochilo. O barulho de maquinário pesado o assustou e fez com que ele levantasse e se dirigisse a saleta, onde encontrou John e a visão que ambos tiveram não foi nada boa. Cerca de trinta pessoas armadas lideradas por Langor se aproximavam trazendo consigo uma retroescavadeira que era grande o suficiente para derrubar a casa.
- Eu avisei que seriam doze horas, não avisei, coroa?! – Berrou o líder dos arruaceiros retirando do bolso um pequeno chip que levantou para que fosse visto pelas pessoas no interior da casa. – Passa a sua propriedade para esse token, nós vendemos toda essa área para a AnexiCorp e todo mundo fica feliz, mas se ficar com essa porra de teimosia, aí vamos ter um problema!
- Que safados! Token ao portador! – Resmungou o velho indignado com aquilo. – Esses vagabundos devem ter o nome tão enrolado com a lei que nem podem ter nada no próprio nome! Aposto que os terrenos todos estão ali...
O veterano, mesmo sendo sum sobrevivente da guerra, foi surpreendido quando o Freelancer ao seu lado sacou um par de pistolas de plasma e as apontou para os inimigos, mantendo uma focada na testa do operador da retroescavadeira e a segunda arma pronta para acertar Langor na testa.
O jovem de braço mecânico vacilou por um momento de incredulidade ao ver aquilo, mas rapidamente correu para trás da retroescavadeira a fim de se proteger e, nesse curto espaço de tempo, uma rajada energética de plasma deixou o cano da arma do Freelancer e atingiu em cheio o rosto do operador da retroescavadeira, fazendo-o cair de forma desengonçada e sem vida no chão.
Levou segundos para que um tiroteio se iniciasse com John se escondendo próximo a janela e Tok deitado no chão se protegendo de eventuais disparos perdidos. O idoso recapitulou sua vida por um momento e encheu-se de coragem para engatinhar até o armário onde sua metralhadora laser era guardada e, com um ímpeto de coragem começou a dispará-la enlouquecidamente para o lado de fora na expectativa de afastar os inimigos, pois, devido a falta de manutenção adequada, a precisão da arma era precária naquele momento.
John aproveitou a confusão que forçava os invasores a correrem para buscar abrigo dos disparos laser descontrolados e um a um o Freelancer foi abatendo-os com sua mira invejável.
- Melhor vocês se renderem! – Berrou Langor que estava escondido atrás da retroescavadeira, mas segurava uma granada de prótons em sua mão biológica e ameaçava arrancar o lacre, algo que causaria uma desconstrução de matéria orgânica e inorgânica por um raio grande o suficiente para matar todos ali. – Vai todo mundo pro além se não parar essa porra agora!
Tok jogou sua metralhadora laser para o lado de fora pela janela e John guardou suas pistolas no coldre que ficava escondido debaixo do sobretudo. Ambos caminharam de braços levantados quando saíram pela porta da frente, ficando a poucos metros de Langor que ainda segurava a granada de prótons como uma segurança.
O jovem se aproximou do Freelancer e usou seu braço metálico para socar o seu rosto para extravasar sua raiva, mas John não emitiu um grunhido sequer de dor, mesmo ficando com a bochecha inchada do golpe que o fez virar o rosto de tanta força.
- Eu já me rendi. – Disse Tok ainda lutando contra o medo dentro de si, mas lutando para não se acovardar como vinha acontecendo. – Vou passar a propriedade pra você, mas libera o cara. Ele não tem nada a ver com isso...
- Nada a ver com isso, seu velho filho da puta?! – Esbravejou Langor furioso, acertando um tapa metálico no rosto do velho e agarrando a gola de sua camisa logo em seguida para erguê-lo do chão, puxá-lo bem para perto e olhar furiosamente nos olhos dele. – Ele matou todos os meus amigos, porque você, seu bosta, não acertou ninguém com aquela merda de metralhadora!
Foi com um movimento extremamente ágil que John puxou das costas o cabo de uma espada cuja lâmina rapidamente se desdobrou do interior da peça e se aqueceu ao vibrar intensamente. O primeiro ataque foi certeiro ao amputar o antebraço da mão biológica que segurava a granada de prótons, fazendo-a cair no chão antes que o dispositivo de detonação pudesse ser acionado, enquanto o segundo ataque destruiu o braço mecânico que segurava o idoso, fazendo-o cair no chão desajeitadamente e bastante impressionado com o que tinha visto.
- Seu filho da puta! O que você fez?! O que você fez?! – Gritou Langor com a voz chorosa e desesperada por ter seu último braço biológico amputado com uma lâmina que não só cortou, mas cauterizou pelo calor do aço vibrante, deixando-o em choque quando caiu de joelhos.
John nada respondeu, apenas colocou a mão no interior da camisa do arruaceiro e pegou o chip ao portador com todas as propriedades da região, assim como puxou uma pistola cinética que ele guardava em um coldre axilar. Seu próximo movimento foi acertar um potente soco que quebrou alguns dentes de Langor e o fez cair de rosto no chão por não ter mãos para aparar a queda.
Tok estava com os olhos arregalados de assombro quando se levantou e viu aquele rapaz que tanto tinha lhe aterrorizado, jogado no chão de terra e areia, indefeso, sem as duas mãos. A surpresa do idoso apenas aumentou quando o Freelancer lhe entregou a arma e o token ao portador. O veterano pegou os dois, mas com a pistola em mãos foi ávido até onde o seu desafeto estava caído e disparou múltiplas vezes contra o seu rosto enquanto soltava um grito gutural de raiva e libertação.
- Aceite isso. – Disse o velho deixando a pistola cair no chão e entregando o chip ao portador para o Freelancer. – Aceite como pagamento por tudo que fez. Eu só quero mesmo a minha casinha pra continuar vivendo em paz até morrer...
- Não foi um contrato oficial. Não posso aceitar. – Rebateu John de pronto enquanto guardava o cabo da espada com a lâmina já retraída na parte de trás de seu sobretudo.
- Deve ter algo que eu possa fazer para agradecer... – Insistiu o veterano que se esforçava, mas não entendia o homem que o tinha ajudado. – Você mudou minha vida e eu não posso nem lhe dar um agradecimento?
- Um chapéu. – Disse John com uma pequena pausa em sua fala. – Ainda não fui embora porque é ruim enfrentar o deserto sem um bom chapéu.
Tok gargalhou daquela situação como não fazia em anos e prontamente correu no interior de sua casa, voltando momentos depois com o chapéu de cowboy dos Rangers do Deserto e entregando ao Freelancer.
- Muito obrigado mesmo! – Disse o idoso enquanto seu salvador aceitava o chapéu e o colocava na cabeça.
John colocou as mãos nos bolsos do sobretudo e, sem se despedir, começou a caminhar para longe dali, deixando para trás o bairro paupérrimo e seguindo em direção aso muros de Drexhat para abandonar aquela cidade e desaparecer nas vastas dunas do deserto de Ultum em busca de suas memórias.
![Continuação Contos de John Freelancer](https://static.wixstatic.com/media/523ceb_07664d7301f14d5890b50ea61877ab12~mv2.png/v1/fill/w_453,h_141,al_c,q_85,enc_auto/523ceb_07664d7301f14d5890b50ea61877ab12~mv2.png)
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